terça-feira, 7 de setembro de 2010

A Comunidade de Jesus

O lugar era Cesaréia de Filipe. Uma região repleta de altares a deuses pagãos. Conhecida como o berço de nascimento do deus Pan, deus da fertilidade e sede do monumental templo ao Imperador, que estabelecera para si mesmo um culto para reconhecimento de sua pretensa divindade. Nessa vitrine de altares pagãos, um Mestre conversa com seus pupilos.

- O que estão dizendo a meu respeito por aí? Perguntou Jesus.

- Estão te comparando com os profetas...o Senhor sabe: Isaias, Jeremias, João Batista… - responderam os discípulos.

- E vocês, o que acham? Perguntou novamente o Mestre.

Pedro dá um passo a frente e diz: Você é o Ungido, o Filho do Deus vivo.

Essa foi a conversa que inaugurou a Igreja. Logo após essa declaração Jesus estabelece a sua Comunidade, determinando que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela.

Não houve reunião inaugural, nem assembléia pra constituir estatuto e definir diretoria. Simplesmente uma declaração, ou nas palavras de Jesus, uma revelação.

Mas o que havia de tão especial na declaração de Pedro? Que Jesus era o Messias prometido pelos profetas? Sim, essa declaração era poderosa. Em Jesus convergia toda a expectativa profética de um Rei que pudesse libertar Israel, que embora não mais em exílio, continuava em uma espécie de cativeiro espiritual, moral, político e social, como colônia do Império Romano. Todo o Israel esperava o Messias, inclusive Pedro. E ao identificá-lo como Messias, Pedro estava declarando que sua expectativa como Judeu havia sido finalmente satisfeita em Jesus. No entanto, há algo mais contundente na declaração de Pedro. Tu és o Filho do Deus vivo. Em outras palavras, Pedro está reconhecendo Deus no homem Jesus. O mistério da encarnação é explicitado de forma esplendorosa nessa simples declaração. Em meio aos deuses dos pagãos, Pedro afirma a supremacia de Cristo como único e legítimo Deus. É exatamente essa declaração que lança os fundamentos da Igreja de Cristo.

Igreja, (ecclesia, no grego), não foi um termo inventado por Jesus. Os gregos já o utilizavam para designarem a espécie de ajuntamento solene, uma assembléia por assim dizer, para qual os cidadãos livres eram chamados para discutir idéias. “Chamados para fora” é a melhor tradução da palavra grega. Ao utilizar o termo para identificar seu povo, Jesus o está definindo como o povo que se ajunta em torno do Filho de Deus, reconhecendo sua supremacia em meio a todas as falsas alternativas pagãs. É assim que nasce a Igreja. Nasce da sua compreensão da verdadeira identidade de Jesus Cristo e conseqüentemente de sua relação com ele. A “Comunidade de Jesus”, a Igreja triunfante diante da qual o inferno não pode prevalecer é aquela que se põe diante dos altares dos pretensos “deuses” do mundo e declara em alta voz: Jesus é o Filho do Deus vivo.

É fato inquestionável que as igrejas Cristãs crescem de forma acelerada em nosso país. Pessoas chegam aos montes para se filiarem às inúmeras igrejas das mais diversas denominações. No entanto, é também um fato infelizmente inquestionável, que nem sempre os que se reúnem em igrejas, reúnem-se em torno do Filho de Deus. Muitos se reúnem em torno de promessas, de sonhos, de ideologias, ou mesmo em torno de suas próprias ambições pessoais, utilizando o evangelho (e a igreja) como mais um meio para a obtenção de seus desejos. Quando isso acontece, têm-se a “alternativa evangélica”, onde Cristo torna-se mais um dos muitos “deuses” adorados nos mais diversos “altares” das colinas de nosso Brasil.

A Igreja de Cristo carece de uma afirmação de sua identidade. Quem somos primariamente? A comunidade dos que se reúnem aos domingos? Dos que carregam a Bíblia debaixo do braço? Dos que cantam lindas canções? Dos que reúnem multidões em eventos de grande porte? Dos que apregoam valores morais? A comunidade que cresce assustadoramente e ganha cada vez mais força social e até mesmo política? O que nos define? O que, ao longo dos anos, tem construído nossa identidade? O que dizem os homens que somos?

Só uma declaração. Nada mais. Um só entendimento foi necessário para que Jesus lançasse os fundamentos de sua Igreja. Ele é o Filho de Deus. E nós somos o povo que se ajunta de todos cantos, de todas as camadas sociais, de várias histórias de vida, de toda raça, tribo, língua e nação, em torno do Filho de Deus, para ouvi-lo e sermos transformados por ele. Ele é o centro. E onde ele é o centro, aí é a Igreja.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Tempo e Espaço


O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram…(1 João 1:1)

Se alguém lhe perguntasse o que é o cristianismo que definição você daria? As possibilidades são inúmeras se levarmos em consideração os diferentes ângulos pelos quais podemos avaliar o assunto. Tradicionalmente, o cristianismo é definido como uma religião, o que não ajuda muito. Dizer que o cristianismo é uma religião, é colocá-lo como apenas uma dentre as muitas opções no espectro das crenças mundiais. Sem falar do peso que a palavra “religião” traz, especialmente se considerarmos todas as atrocidades cometidas em nome da religião ao longo da história.

Cristianismo também pode ser definido como filosofia. Na verdade, os próprios fundamentos do cristianismo nos primeiros séculos foram lançados através de um intenso e intrigante dialogo entre a fé cristã e a filosofia grega. No entanto, toda filosofia traz consigo uma extrema dose de subjetividade, e quando o cristianismo se reduz a divagações metafísicas, ele perde o seu caráter transformador.

Pode-se dizer que cristianismo é uma tradição. Um jeito de pensar, se comportar e ver o mundo que vem influenciando milhares de pessoas por mais de dois mil anos. Mas dada a fragmentação histórica entre católicos, protestantes, evangélicos, pentecostais, tradicionais, fundamentalistas, liberais, etc, dizer que o cristianismo é uma tradição é assumir a nossa incongruência e debilidade em estabelecer uma identidade cristã comum.

Todas essas opções, apesar de verdadeiras em certo sentido, não fazem justiça à história extraordinária da fé cristã ao longo dos séculos. A limitação dessas definições se dá por sua falta de conexão com o tempo e com o espaço.

O Cristianismo é um evento. Não é um conjunto de dogmas ou doutrinas. Não é uma sistematização teológica nem um compêndio de regras éticas e morais. É algo que aconteceu, e aconteceu no tempo e no espaço, na história do nosso mundo. A fé judaico-cristã é caracterizada por marcos históricos. Um homem chamado Abraão sai da terra de Ur em uma resposta de fé a um Deus que mal conhecia. Um homem chamado Moisés, tira um povo chamado Israel de um cativeiro em um lugar chamado Egito e os leva a uma terra chamada Canaã. Um homem chamado Jesus nasce em um estábulo em uma cidade chamada Belém, prega o Reino de Deus na terra de Israel na região da Palestina, morre em uma cruz em um lugar chamado Golgota e ressucita dentre os mortos ao terceiro dia transformando radicalmente a vida de pessoas que passam a viver em função dessa história. Homens e mulheres recebem o Espírito Santo em Jerusalém no dia de Pentecostes. Um homem chamado Saulo encontra o Jesus ressurreto na estrada de Damasco e sua conversão transforma a história do mundo ocidental. Enfim, o cristianismo é história que acontece no tempo e no espaço. Não é uma realidade reservada às regiões celestes onde principados e potestades lutam sem cessar. Não! É realidade visível, que se desenrola na vida de gente de carne e osso e transforma radicalmente não só seres humanos, mas toda a criação.

Isso enobrece a vida de cada cristão. Ao percebermos que nossa história faz parte da história de Deus, percebemos também a amplitude da realidade para a qual fomos chamados. O cristianismo não começou quando eu me converti, nem quando meu pastor se converteu. Não começou quando minha Igreja foi fundada ou quando minha denominação se estabeleceu. Minha história é, em conexão com a história dos irmãos ao meu redor, uma continuação da fantástica trama divina, onde o Reino de Deus se espalha por todos os lugares ao longo dos séculos. O Cristianismo é um evento que continua reverberando em nosso tempo. Vivemos os abalos sísmicos resultantes do grande terremoto que sacudiu a terra quando o Filho de Deus ressuscitou dentre os mortos. Somos chamados a trazer sentido a cada momento e a cada lugar, tornando conhecido o poder da ressurreição que opera em nós.

Quando finalmente a história atingir o seu clímax, e o Rei estabelecer de forma definitiva o Reino que ele mesmo inaugurou, veremos os resultados definitivos dessa história em nosso mundo, em nosso corpo, em nossa história, em nossas comunidades, quando o mortal se revestir de imortalidade e o corruptível se revestir de incorruptibilidade (I Cor. 15:53). Então, o que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram, virá pra converter nossa pseudo-realidade na real realidade; e todas as ilusões das religiões, filosofias e tradições se desmancharão diante d’Aquele que é tudo em todos (Ef 1:23).

Que venha o Seu Reino e seja feita a sua vontade assim na terra como nos céus.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A vocação de viver tranquilo


Esforcem-se para ter uma vida tranqüila, cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos, como nós os instruímos; a fim de que andem decentemente aos olhos dos que são de fora e não dependam de ninguém. (1 Tessalonicenses 4 :11-12)

O texto acima não é dos mais populares da Bíblia, no entanto ele se encontra como um trecho introdutório de uma das mais famosas passagens das Escrituras. Logo depois desses versículos, lemos o seguinte:

“Irmãos, não queremos que vocês sejam ignorantes quanto aos que dormem, para que não se entristeçam como os outros que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressurgiu, cremos também que Deus trará, mediante Jesus e com ele, aqueles que nele dormiram. Dizemos a vocês, pela palavra do Senhor, que nós, os que estivermos vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, certamente não precederemos os que dormem. Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que estivermos vivos seremos arrebatados com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre. Consolem-se uns aos outros com essas palavras.” (1 Tess. 4:13-18).

Essa sim estaria entre as passagens favoritas dos cristãos, especialmente por retratar de forma tão vibrante o evento mais esperado da história, a volta do Senhor Jesus Cristo. No entanto, a leitura conjunta das passagens (na verdade, a única forma correta de lê-la) parece um tanto contraditoria. Paulo, pouco antes de descrever de forma empolgante os eventos da volta de Cristo, deixa a recomendação pastoral de viver de forma tranqüila, cuidar dos próprios negócios e andar de forma a dar bom testemunho. O contraste é alarmante, a figura sóbria e tranqüila antecede a descrição do evento que é costumeiramente interpretado como situação de urgência, tempo de preparação e, até certo ponto, desesperador.

Essa postura de inquietação é a mais comum quando se trata do tema da volta de Cristo. Especialmente em nossos dias de terremotos, desastres naturais, guerras e rumores de guerra, onde o amor de muitos se esfria gradativamente, respiramos ansiosamente o ar dos últimos dias que antecedem o encerramento climático da era presente e a consumação do tão aguardado Reino de Deus.

Interessantemente, embora separados por centenas de anos, a igreja de Tessalônica respirava esses mesmos ares. Sofrendo intensa perseguição dos judeus, vivendo sob incrível e constante tensão, vendo seus irmãos e familiares morrendo sob o ódio dos impiedosos, os tessalonicenses encontraram ânimo e encorajamento nas palavras do apostolo que vigorosamente os lembrava da iminente volta de Cristo e do destino de alegria eterna daqueles que criam em Cristo. A morte, diz Paulo, não é para ser lamentada como pelos que não conhecem a Cristo, pois para os que crêem, é apenas um interlúdio que precede o grande e jubiloso acorde final. O que fazer então? Como viver diante da iminência da consumação de todas as coisas? Deixar de trabalhar? Ir para as praças proclamando em alta voz de forma apocalíptica a realidade do julgamento inevitável? Deixar a cidade e ir para o campo? Viver de forma ascética, orando e jejuando o tempo todo para não ser pego de surpresa no momento em que Cristo vier como ladrão na noite?

De certa forma essa foi a reação dos Tessalonicences. Alguns pararam de trabalhar, e sentaram-se acomodados aguardando o Dia do Senhor. Um certo senso de desespero tomou conta de muitos. O distúrbio foi tão grande que obrigou o apostolo a escrever uma segunda carta, colocando as coisas no devido lugar.

Tudo isso seria evitado se tão somente eles tivessem atentos a admoestação apostólica: vivam tranqüilos. A volta de Cristo não deve gerar desespero, e sim esperança. Não deve gerar letargia, mas testemunho fiel. Não deve gerar ócio, mas deve impregnar a mais ordinária das atividades de alegria e vivacidade. A volta de Cristo altera nossa forma de viver a vida e de lidar com a morte. Saber que Cristo está voltando não transforma nossas atividades em um ciclo religioso frenético e desesperado. Saber que Cristo está voltando deve nos fazer viver a vida; ou nas palavras de Paulo, viver e agradar a Deus. A realidade da volta de Cristo deve ser traduzida em um viver profético – uma vida cujas atividades mais rotineiras traduzam a esperança da glória. Uma vida onde o efeito mais óbvio da iminência do Retorno do Rei seja tranqüilidade. Por que? Na verdade, por que não? Por que não viver tranqüilos, se sabemos que a pena da história está nas mãos de quem a escreve desde antes da fundação do mundo? Por que não viver tranqüilos, se sabemos que, muito embora respiremos as tensões desse mundo corrompido, o Reino de Deus é uma certeza? Por que não trabalhar, comer, celebrar, compartilhar, viver, se estamos conscientes de que Cristo virá pra trazer significado completo a cada uma dessas atitudes?

Cristo vai voltar! Portanto, viva de forma tranqüila, mas não passiva – enchendo hoje os pulmões com os ares de esperança do porvir. Pois afinal, os desesperados são os que não sabem pra onde vão. Os fiéis, esses sabem... “estaremos com o Senhor para sempre.” (1 Tess. 4:17)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Poder da Ressurreição


"...para conhecê-lo, e o poder da sua ressurreição" (Fil. 3:10)

Conhecer a Cristo e o poder de sua ressurreição. Essas palavras de Paulo fazem parte do cerne de sua teologia. Mas o que Paulo quer dizer por “poder da ressurreição”?

Embora o cristianismo seja uma continuação da história de Deus escrita pela nação de Israel, a teologia Cristã é primordialmente ocidental. Paulo era judeu, mas Orígenes, Anselmo e Agostinho já possuíam uma forte influência do pensamento grego quando lançaram os fundamentos da doutrina cristã. Justamente por isso, os dualismos platônicos que projetavam dois mundos (o dos sentidos e o das idéias) ajudaram a forjar boa parte do que pensamos como cristãos. Basta dizer que a maioria de nós pensa na ressurreição como a experiência extra-física de “morar no Céu” quando “Jesus voltar”. Nutrimos essa visão escatológica romantizada onde passaremos a eternidade sentados em uma nuvem tocando harpa em uma experiência de sublimação surreal.

No entanto a cosmovisão de Paulo não era bem essa. O povo Judeu tinha uma escatologia fundamentada na esperança da restauração de sua própria terra. O que o Deus de Israel estava pra fazer ao enviar o Messias era estabelecer o seu Reino no mundo que ele mesmo criou. Apesar de reconhecer a existência de dois mundos, o judeu não fazia uma distinção definitiva entre eles e de forma alguma desenvolvia uma postura escapista em relação ao cosmos. Ressurreição era um termo escatológico, dizia respeito à restauração do Reino de Deus por meio do seu povo. O termo fazia referencia a visão do vale de ossos secos ganhando vida na profecia de Ezequiel. Ressurreição era a vida de Deus invadindo o mundo que amargava o sabor da morte.

Quando Cristo ressurge dentre os mortos é exatamente essa a sensação dos discípulos. Com a vitória de Jesus sobre a morte o mundo é invadido pela vida e esperança de ser novamente restaurado. Com a ressurreição nasce a igreja, vem a grande comissão, discípulos cheios de paixão e do Espírito Santo difundem a mensagem do Reino de Deus por todos os cantos do mundo conhecido. Nada de escapismo, nada de se retirar nos desertos esperando Jesus voltar. Nada de se esquivar da grande Tarefa justificados pela consciência de que esse mundo vai acabar. Não, ressurreição não é vida após a morte, é a morte da morte. Não é transposição espaço-temporal. É restauração, reconstrução e a volta de Deus ao seu templo. É a Glória do Rei sendo exibida em todo seu esplendor na sua própria Criação.

O poder da ressurreição é pra hoje, é pra agora. É um poder que revigora mortos para que exibam vida em seus próprios contextos. O poder da ressurreição nos revoluciona a vida, nos faz sonhar, nos faz clamar para que o Reino venha, e nos faz viver como se ele já estivesse entre nós. Porque na verdade ele está, o Reino chegou em uma manjedoura em Belém, foi proclamado em sinais e maravilhas nas terras de Israel, desfez o abismo entre Deus e os homens na cruz, e emergiu das profundezas da cova ao terceiro dia, pondo termo ao poder da morte e do inferno.

Que vivamos o poder da ressurreição hoje e a cada dia, até que de forma definitiva sejamos transformados pela Glória do Senhor.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Twitter

Bom Galera,

Atendendo às recomendações de alguns amigos profetas da pós-modernidade, estou no Twitter. Me disseram que é uma forma revolucionária de comunicação e por isso senti-me tentado a participar. É claro que não vou postar cada detalhe de minha vida (acreditem, tem gente que o faz), mas achei uma forma muito interessante de postar pensamentos em frases curtas. Espero que seja abençoador pra alguém.

Adicionem lá: http://twitter.com/prmateuscampos

Abraço a todos...

Pr. Mateus Ferraz de Campos

domingo, 18 de outubro de 2009

Loja de Brinquedos


Um dia desses levei meu filho de dois anos e meio em uma loja de brinquedos. Em um acesso de rara generosidade paterna disse a ele antes de entrar na loja: “O Papai vai comprar o que você quiser!”. Só depois de ver o brilho de excitação nos olhinhos do meu pequeno que me dei conta da loucura que havia dito. No mesmo instante, uma imagem do meu apertado orçamento familiar tomou conta da minha mente. Mas o fato é que eu já havia dito e tudo o que eu podia fazer era torcer pra ele escolher algo não muito caro, e é claro, tentar bloquear sua visão toda vez que ele se aproximasse de algo grande ou colorido demais.

Então veio a surpresa. Meu filho veio correndo na minha direção com um sorriso fantástico no rosto dizendo: “Achei, Papai! Quero esse!”. Quando olhei, meio que sem querer olhar, me deparei com um carrinho minúsculo que não deveria custar mais do que R$ 10,00. Confesso que fiquei aliviado, mas ao mesmo tempo um pouco inconformado. Obviamente não queria gastar uma fortuna em um brinquedo, mas o levei ali porque queria agradá-lo, recompensá-lo, marcar a vida dele com um desses brinquedos que a gente nunca esquece, quem sabe convencê-lo um pouco do meu amor e ser “o melhor pai do mundo”.

Insatisfeito, comecei a mostrar outros brinquedos. Conferindo primeiro a etiqueta do preço e percebendo ser acessível ao bolso, mostrei incansavelmente uma porção de brinquedos das mais diversas cores e tamanhos. Enquanto mostrava, meu filho continuava agarrado ao carrinho. Depois de alguns minutos tentando convencê-lo, ele olhou pra mim com certa reprovação e disse: Papai, eu quero esse!

Foi então que percebi mais uma dessas características pueris que perdemos à medida que “crescemos.” O senso de valor de meu filho ainda estava intacto. As coisas ainda tem valor pelo que elas representam pra ele. Ele ainda não foi suficientemente contaminado pelo espírito consumista de nossa época que atribui valor às coisas pela opinião alheia, ou pelo visual atraente, ou pela imponência da marca. Pra ele, as coisas são valiosas na medida em que elas o tocam de alguma forma. Mais tarde reparei que o carrinho era um personagem do seu desenho favorito. Quando ele olhava pro carrinho, lembrava do desenho, e isso era suficiente pra fazê-lo feliz. Entendi também que minha tentativa de fazê-lo perceber meu amor por ele pelo tamanho do presente não fazia sentido. Porque meu amor se faz real em minha relação com ele, na maneira como toco seu coração.

Fiquei pensando mais tarde, quantas coisas já desejei que depois de pouco tempo perderam seu valor. Na verdade não perderam, simplesmente nunca tiveram valor. Fiquei pensando que na maioria das vezes, escolhemos as vias erradas para atribuir valor a coisas e pessoas. Quanto vale? Quanto custa? O que vão pensar de mim? Quantos vão querer ser como eu? De que forma isso vai ajudar na minha aceitação? Que vantagem tenho em andar com tal pessoa? De que forma ela pode me ajudar?

Todas essas perguntas são expressão de uma realidade infeliz: nós crescemos. Crescemos pra ser os filhos maduros que foram expulsos do jardim. Crescemos porque ouvimos alguém nos convencendo de que poderíamos ser mais do que o que Deus nos criou pra ser. Crescemos porque ouvimos alguém dizer que nós poderíamos ser deuses. E desde então, já não temos a inocência de atribuir valor aquilo que nos toca. Não conseguimos mais ver as pessoas além do que elas podem fazer por nós. Não conseguimos mais acreditar que Deus nos ama, a não ser que ele nos dê aquele presentão que sempre sonhamos ter.

Fico imaginando se Deus nos levasse a uma loja de “brinquedos”. E se antes de entrar na loja dissesse: “Escolhe o que você quiser”. Na loja teria prateleiras e mais prateleiras repletas daquilo que todos chamam de “bênçãos”: carro do ano, casa na praia, promoção no emprego, salário gordo, casamento maravilhoso, enfim, tudo o que alguém pode desejar. Como iríamos reagir?

Agarraríamos com unhas e dentes tudo aquilo que nos enche os olhos? Esperaríamos pra ver onde as outras “crianças” iriam e correríamos atrás? Ou quem sabe, se algo de puro fosse encontrado em nosso coração, procuraríamos a oferta da Graça: o bebê na manjedoura, o homem da Cruz, e diríamos: Pai, eu quero esse!

Quero aprender a querer. Quero aprender a desejar. Quero ser reformado em minhas intenções pra ambicionar aquilo que realmente é importante. Quero atribuir valor como o Pai atribui. Quero ser feliz por sentir o seu amor nos presentes mais sutis que me são concedidos a cada manhã. Quero amar o que ele ama, e me contentar em ser ainda que não possa ter. Quero perceber que nada pode ser mais valioso do que eu já tenho. Pois não há nada que Deus possa me dar, que seja melhor do que o que ele já me deu.

Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu SEU FILHO UNIGÊNITO para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3:16)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

História e histórias


Ao longo dos séculos a Bíblia Sagrada tem sido o livro mais vendido, lido e estudado da história. Pelos mais diversos motivos, pessoas de todos os lugares e épocas se debruçam sobre as páginas do Santo Livro reconhecendo, de alguma forma, o seu valor. No entanto, nem todos o percebem como os cristãos – ou seja, como norma de fé e prática. Muitos tem as Escrituras apenas como uma fonte de informações históricas ou uma maneira de compreender sociologicamente os fenômenos da religiosidade cristã. Mas de uma forma ou de outra, a Bíblia ocupa um papel central na compreensão da história da sociedade ocidental.

Para alguns, a Bíblia deve ser considerada apenas à partir de uma perspectiva histórica. Como todo documento histórico, ela deve ser avaliada a uma certa distância, descartando tudo o que não pode ser considerado fato histórico. Alem disso, como documento ela está sujeita a comprovações externas como achados arqueológicos e outros documentos que atestem a veracidade dos fatos nela contidos. Essa abordagem constitui um extremo reducionismo, justamente por desconsiderar eventos que naturalmente não podem ser “provados” historicamente. No entanto essa compreensão tem o seu valor. É muito importante saber que os fatos narrados nas Escrituras não são obra de ficção ou produto da imaginação fértil de algum místico antigo, mas tem a essência de suas narrativas atestadas pela história.

Uma outra percepção das Escrituras, faz da Bíblia uma fonte de embasamentos teológicos. É da Bíblia que se derivam os mais elementares fundamentos teológicos nos quais se baseia o cristianismo. Foram através de incontáveis esforços que os chamados Pais da Igreja elaboraram os mais profundos tratados a respeito de assuntos complexos como a Trindade ou a deidade de Cristo. Hoje em dia, quando assuntos como esses são ignorados nas igrejas evangélicas pós-modernas como peças de museu desnecessárias para o dia a dia, poucos reconhecem o inestimável valor que essas reflexões tem na consolidação da fé. Não são muitos entre os cristãos, os que tem uma compreensão saudável e precisa a respeito desses assuntos que custaram a vida e o sangue de tantos mártires. Na tentativa de mascarar a própria mediocridade, muitos ignoram a teologia, taxando-a de “letra que mata” (mais uma das muitas equivocadas interpretações do texto Bíblico) sendo que na verdade, todos possuem uma teologia. Boa ou ruim, todos tem uma teologia; mesmo os que dizem que não se preocupam com isso.

No entanto, a Bíblia não é só isso. Não se trata apenas de um documento histórico, nem tão somente de uma fonte de tratados teológicos. A Bíblia é um livro vivo.

Tenho tido o prazer de ler o Antigo Testamento em uma outra língua e esse exercício tem me dado a oportunidade de observá-la por um novo angulo. Tenho visto a Bíblia de um ponto de vista pessoal. Não que esteja ignorando o fato de que a Bíblia tenha sido escrita para um povo e época específicos, isso é inegociável. No entanto, tenho procurado observar de que forma a minha história se encaixa na história de Deus. Isso é fascinante.

A Bíblia é a história de Deus. É a narrativa de um Deus que busca o homem para se relacionar com ele, de uma humanidade que se rebela constantemente contra o seu Criador, e de um incessante desejo do Criador de redimir e restaurar a humanidade. Sendo assim, as histórias narradas nas Escrituras se entrelaçam com a jornada pessoal de cada um, na medida que entendemos que Deus está lidando ao mesmo tempo com indivíduos e com toda a humanidade. As fantásticas sagas de homens como Abraão, Moisés, Isaías e outros, são ao mesmo tempo demonstrações de um Deus pessoal que interage com indivíduos em seus dilemas particulares, e de um Deus que articula essas histórias individuais, tecendo uma trama comum que se desenvolve em seu plano máximo de redenção. Em outras palavras, enquanto Deus age na minha história, está agindo na História; ou olhando sob outra perspectiva, enquanto age na História, está agindo também na minha história. Portanto, vejo-me conectado a um plano maior. Quando Deus age em minha história, guiando-me por seus caminhos, intervindo em minhas ambigüidades e moldando-me, não o faz somente no plano da minha individualidade, pois a História é, em certo sentido, a somatória de histórias individuais; Minha jornada, somada à jornada de muito outros constrói a História em uma teia de relações infindável.

Por isso, quando leio as histórias dos Patriarcas, profetas, apóstolos e também dos personagens não tão famosos das Escrituras, vejo-me em cada um deles. A história de Abraão faz parte da minha história, me vejo em seus erros, participo das promessas feitas a ele. Identifico-me com a sensação de impotência de Moisés, com as angustias pessoais de Davi; alegro-me com a resoluta determinação de Daniel, sinto o coração angustiado dos profetas. Enfim, é minha história, minha vida.

Assim, a Bíblia ganha cor, movimento, relevância. Deixa de ser apenas fonte de argumentação histórica ou teológica para ser a história de Deus, que não se encerrou ainda, mas recebe capítulos novos a cada manhã.

O que há de mais belo nisso tudo é que nessa história não somos apenas meros atores, marionetados pelas mãos de um tirano soberano. Em determinadas ocasiões, o autor nos empresta a pena da história, na expectativa de que possamos criar algo novo que expresse o seu caráter e revele a sua vontade.

Existe algo mais nobre e empolgante que isso?

 

.